Luiz Mott* | Ter, 10/02/2015 às 19:38 | Atualizado em: 10/02/2015 às 19:43
Adeptos mais ufanistas das religiões de matriz africana repetem que o cristianismo tem só dois milênios, enquanto o culto aos orixás remontaria a cinco mil anos. Não há provas arqueológicas de tamanha antiguidade. Iemanjá, por exemplo, na imagem como é cultuada no Brasil, esbelta mulher branca com cabelo lisos, vestida de seda branca e azul, tal imagem é invenção brasileira do século XX, às vezes também representada como Janaína, a sereia mãe d’água. Há sete distintas Iemanjás na mitologia afro-brasileira, sendo sincretizada com diversos títulos de Nossa Senhora: da Purificação, das Candeias, Candelária, etc. É a orixá mais popular em todo o Brasil, sendo homenageada com rosas, perfume de alfazema, bonecas barbies, champanhe, elementos inexistentes na pré-história africana. Como todas as religiões, o candomblé sempre teve a sabedoria de incorporar elementos novos em sua tradição ritual. Igual ao cristianismo, devedor do judaísmo e das mitologias greco-romanas. Como dizia a sapiente yalorixá Olga de Alaketu, “o deus de Roma é um, os orixás são outros, mas a união faz a força!”
O historiador João Reis fez palestra na Biblioteca Central em lembrança dos 180 anos da revolta dos Malês (1835). Desconstruiu o imaginário dos mais ufanistas que pintam a Mama África como paraíso terreal: mostrou a existência pré-colonial da escravidão e etnocentrismo, abomináveis condutas suprarraciais. Equivocou-se ao negar peremptoriamente que o étimo nagô, como eram chamados os ioruba entre os portugueses e franceses, destilava odioso preconceito intertribal, como ensina Vivaldo da Costa Lima, que realizou pesquisa in loco: “o antigo apelido de anagô, em fõ, significa piolhento”. Lembrou que os revoltosos muçulmanos afro-baianos pretendiam manter a escravidão e, como fiéis seguidores de Maomé, menosprezavam os negros “pagãos” que cultuavam os orixás.
Felizmente prevaleceram a Rainha do Mar e a Stella Maris. Muito mais tolerantes que a sharia que manda apedrejar as adúlteras e os gays.
* Professor titular de Antropologia da Ufba
** A foto da capa é mera ilustração.
Extraído do Jornal A Tarde
http://atarde.uol.com.br/opiniao/noticias/1659306-iemanja-e-a-revolta-dos-males